sábado, 30 de agosto de 2008

Prostituta

Ela era uma menina de apenas sete anos. Cursava ainda a primeira série do ensino fundamental. Sentada em sua carteira, lia uma revista da Turma da Mônica, queria treinar para mostrar ao pai, quando chegasse a casa, o quanto estava aprendendo na escola. Era o momento do intervalo e, no meio dos gritos e correria da turma, Janaína estava concentrada apenas em sua leitura.
De repente, o menino de cabelos de fogo parou ao seu lado. Ela, sem fazer muito esforço, levantou a cabeça para percebê-lo. João tinha a mesma idade que Janaína e sempre fora o aluno danado da turma. Não fazia as lições, mexia com todos que cruzava e sempre esnobava a vida boa que tinha. Era um menino, mas já sabia ostentar sem nem mesmo saber o significado desta palavra.
Janaína estranhou seu jeito quieto, sem fazer nada e nem sair correndo com algo que lhe pertencia. Por alguns minutos ele só a olhou nos olhos. Depois, pausadamente, mostrando todos os arames que seus dentes carregavam, João pronunciou letra a letra:
_ P R O S T I T U T A!
Janaína permaneceu parada. Não tinha idéia o que seria aquele nome grande que João havia lhe pronunciado. Ele saiu correndo sem nem mesmo olhar para trás. Ela não conseguiu mais se concentrar na leitura.
Voltando para casa não pensava em outra coisa. O que seria prostituta? Por que João lhe falara aquela palavra? Por que justo para ela? Será que ele me fez um elogio? Nossa, como eu posso ser assim, nem agradeci! Agora ela lembrava de um filme que a fez chorar por todo o dia, “Meu primeiro amor”. nunca vira história mais bonita. E se tiver acontecendo comigo? Um sorriso surgiu em seus lábios, talvez a primeira vaidade de mulher que Janaína sentira.
Mas não desistira de descobrir o significado da palavra... hum, como é mesmo. Claro, ela anotara a palavra na revista que lia, sabia que ia precisar lembrar-se disso mais tarde.
A porta da sua casa estava sempre aberta. Todos os dias, quando chegava da escola, seu pai estava assistindo ao jornal do meio-dia e Janaína já sabia que não era hora para conversar. Mal podia dizer “oi”, passava pela sala como um raio e ia direto para seu quarto para não atrapalhar. Nessa hora, sem poder controlar seus pensamentos, pensou em sua mãe. Nossa, como ela faz falta nesses momentos! Sua mãe falecera há pouco mais de dois anos, mas Janaína lembrava de tudo nela. Linda, de cabelos longos e sorriso manso, sempre estava disposta a conversar, da maneira mais delicada e sincera que alguém já o tinha feito com ela. Mesmo sendo ainda uma menina, D. Rita, era assim o nome dela, a tratava como alguém importante, que já tinha uma vida e muitas coisas para contar. E pensou consigo mesma o quanto seria fácil perguntar a ela o que Janaina mais precisava saber naquele momento.
Alguns minutos depois seu pai lhe gritava e ela já sabia que era hora dos dois sentarem à mesa. Geralmente este ritual era realizado sem conversas, apenas ao som dos talheres. Mas os pensamentos de Janaína estavam a mil por hora, ela tinha que fazer alguma coisa para se livrar daquela dúvida. Durante todo o almoço ficou se perguntando se seria correto conversar com seu pai sobre isso.
O almoço acabou e ela, sobre um banco de três pernas e um avental na cintura, lavou toda a louça. Depois, foi em direção à sala, onde o pai estava de volta esparramado no sofá. Respirou fundo, tomou coragem, contou até três e falou sem parar:
- Pai, posso lhe fazer uma pergunta?
- Faz!
- É que hoje eu escutei uma palavra e queria saber o que é.
- Que palavra?
- Bem.. é.. prostituta!
O pai sentou no sofá e olhou no fundo dos olhos de Janaína. A expressão do seu rosto a assustou e ela sentiu vontade de desaparecer. Então, ele levantou devagar, foi em sua direção e, com o dedo indicador mexendo para cima e para baixo, falou num tom cruel:
- Menina, nunca mais repita esta palavra. Ela não faz parte do seu vocabulário, portanto esqueça que a ouviu. Agora vá para seu quarto estudar o que presta e nunca mais faça perguntas bestas como esta!
No mesmo instante ela obedeceu com lágrimas nos olhos. Não sabia exatamente o que lhe deixava mais triste. Seu pai a destratou por causa de uma simples pergunta e, o que é pior, não respondeu o que ela tanto queria ouvir. Mas algo talvez a estava deixando mais triste ainda naquele momento. Toda a sua alegria por imaginar o garoto de cabelos vermelhos lhe paquerando agora desaparecera. Ele, na verdade, falara algo terrível, a xingara com todas as letras sabe-se lá de quê.
Tomou verdadeiro repúdio por uma palavra que ela nem sabia o significado. Nos anos que se seguiram, Janaína ouviu outras pessoas a pronunciarem, mas não tinha mais coragem para perguntar a ninguém.
Hoje, passados quatorze anos, Janaína se lembra desta cena ainda com os mesmos sentimentos de outrora. Agora conhece muito bem o significado da palavra prostituta e dá graças a Deus por seu pai não ser mais vivo para saber disso. Pensando no passado, apenas uma dúvida ainda a perturba acerca de tudo isso. Aquele menino, de apenas sete anos, com corpo de ser humano e mente de capeta, naquele dia em que pronunciou aquela palavra para ela, olhando-a no fundo dos olhos... será que a sua intenção foi apenas fazer uma provocação ou ele leu em seus olhos o que o futuro lhe reservava? Bem, mas esta é uma dúvida que permanecerá com ela... para sempre.

2 comentários:

Janaína disse...

Sei sei... usando minha identidade...sei, achou que eu não ia ler.. sei sei

Janaína disse...

Ok, vou me render... o conto está ótimo. Vou aceitar a homenagem de bom grado