terça-feira, 16 de março de 2010

O valor e a vida

Ele soube da morte da mãe no dia seguinte do fatídico acontecimento. Os olhos cansados denunciavam a longa noite de trabalho e, agora, demonstravam claro espanto com a multidão que cercava a sua casa. Sentiu o cheiro de más notícias.

Desceu do carro, cumprimentou os poucos que estavam no caminho até a garagem, parou um instante na porta e entrou direto, parando ao lado do leito eterno de sua genitora. Ela tinha o olhar sereno, como se dormisse. Ele a olhava quieto, da cabeça aos pés, e tocando suavemente suas mãos, parou no tempo. A família, os amigos, vizinhos e curiosos calaram-se diante da cena. Nada se ouvia, nada se movimentava. Alguém esperava uma palavra, outros esperavam um surto. Mas nada acontecia.

Segundos que pareceram horas. Finalmente sua esposa o pegou pelas mãos e o levou para uma cadeira de palha próxima ao livro sagrado das peças ornamentais do velório. A filha mais velha lhe trouxe água. Os sussurros começaram por toda a sala e ele não olhava para ninguém, continuava ali, inerte.

A casa, assim como seus cinco moradores, era simples, com poucos velhos móveis, pintura desgastada, nenhum acabamento. A sentinela à rainha acontecia na garagem, onde não havia nem iluminação elétrica, apenas um chão de terra molhada e um telhado de madeira. Entre os mais de cinqüenta presentes, no máximo dez pessoas eram conhecidas da família. Destas dez, contava-se a família e os vizinhos que ela tinha na casa onde vivia sozinha, em um bairro próximo. Ele, o filho, era o único herdeiro da casa de um quarto que a velha senhora morou nos últimos quarenta anos. Juntando casa e móveis, não se conseguia um valor acima de R$ 2.000,00.

Alguns minutos se passaram. Enquanto todos já se voltavam para outras atividades, ele levantou afoito olhando para os lados, como se procurasse alguém. Andou pela garagem, foi até a rua, rodeou o terraço, passou pela sala. No final da cozinha, dois primos papeavam e tomavam um café. Ele seguiu nessa direção, os chamou para mais perto e, antes que algum deles pudesse lhe dizer qualquer palavra de conforto, ele desfez os olhos de cansaço e lhes pediu:

- A minha mãe não pode ser enterrada assim, não é justo, ela vale muito! Vamos, me ajudem a abrir a boca dela, são dois dentes de ouro do lado superior esquerdo.

...

Nenhum comentário: