sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

A estrada que me leva para casa

Voltar para casa depois de um dia de trabalho é um momento único. Limito-me a falar da volta, pois a ida é sempre a mesma coisa: óculos escuros, fones de ouvido e uma soneca gostosa de trinta minutos. Por isso, sem muitas histórias.

A volta não, é sempre marcada por uma cena, um acontecimento novo. O ônibus sai às 17h, em ponto. Nunca preenche todas as poltronas e, como sou uma das primeiras a entrar, tenho a liberdade de escolher o local que melhor combinar comigo naquele dia. Minha preferência é pelas últimas cadeiras, claro, nunca fui uma pessoa que se sente à vontade na primeira metade do ônibus. Além de considerar importante o fato de aproveitar este momento para dividir o dia com os companheiros de viagem, que estão sempre lá, aguardando as novidades, prontos a contar alguma piada, com um lanche especial ou um jogo novo de cartas. Acreditem, isso acontece.

Antes, eu sentava sempre à direita, acho que uma escolha pessoal e sem motivos. Talvez, mania de destra. Hoje, percebi que pode ser bem mais divertido se cada dia eu escolher um lado diferente, afinal serão paisagens diferentes, momentos diferentes. O percurso é grande, quarenta a cinqüenta minutos. 18 km são de BR e, devo confessar, este é o melhor pedaço da viagem.

No primeiro momento eu sento, inclino a confortável poltrona e deixo meus pensamentos me levarem. Aos poucos, todos vão chegando e já puxando assunto, geralmente o do momento: o próximo feriado, o novo romance da fábrica, a substituição de funcionários, o evento do ano, a crise econômica.

E a viagem segue. Há aqueles dias que, em meio à conversa agitada, o ônibus começa a parar e, ao olhar para frente, observamos uma fila quilométrica de carros. Mal sinal. No mínimo algum acidente inimaginável de carros descontrolados ou ciclistas desavisados. Na maioria das vezes acertamos. Todos se jogam para o lado que a confusão acontece para ver tudo de perto, é instintivo. Comentários do tipo “nossa, coitado!” ou “será que morreu?” são inevitáveis. O melhor de todos é daquele que correu para bem perto da janela e disse “não quero nem ver”. Então por que se esforçou tanto?

Ainda outro dia, a “atração” ficou por conta de um acidente incomum. No fim de um morro de beira de estrada, um corpo. Um homem caiu de uma escada feita de barro, pequena, mas mortal para um senhor que aparentava ter mais de setenta anos. A vida, como sempre, mostrando-nos sua fragilidade.

Sem falar das manifestações dos moradores das comunidades. É sempre um show à parte. É um desce e sobe de ônibus, um desvio por uma estrada mais longa, um que insiste em seguir, outro que volta dali, telefone que toca, jornalistas que chegam. Confesso que nestas horas eu me sinto em um filme policial, só na expectativa da próxima cena.

Outras vezes a volta é apenas mais um dia como os outros. Pelo menos para a maioria dos passageiros. Eu, olhando através da janela, vejo de tudo. O casal de estudantes que namora embaixo da árvore, crianças jogando bola no terreno baldio, o trem que apita de longe para avisar que está passando, famílias que aguardam o horário de visita na penitenciária, o sol, a chuva, o tempo.

Além disso, escuto. As conversas no banco da frente (não por curiosidade, mas para ver a vida dos bastidores), os acenos dos meninos quando no veem passar (alguns sempre fazem uma festinha particular), as sirenes indo e voltando (polícia, ambulância, corpo de bombeiros), o silêncio (que muitas vezes diz mais que mil palavras), a brisa (esta eu ainda estou aprendendo escutar).

Observando tudo isso, momentos de reflexão são os que mais acontecem. E, em um destes momentos, parei e pensei. Tantos quilômetros rodados, tantas idas e vindas. Aparentemente, o mesmo caminho, com histórias longas, tristes, alegres, verdadeiras, ilusórias... mas a verdade é que olhar para esta estrada é como olhar para a vida. Parece ser sempre a mesma, mas todos os dias ela tem algo novo para se contemplar. Só depende de como cada um pára e olha para ela.

Um comentário:

leylelis disse...

Curioso, também passei minha adolescência, infância a contemplar placas, pessoas, objetos a partir de vidro de ônibus. Hoje, durmo por causa do balanço. Mas nas viagens mais longas, viajo em pensamentos. Em alguns momentos, nem sei se consigo voltar dos sonhos. Belo texto!

Beijos.